Pois é, minha gente, em 29 de agosto de 2010 postei o SERMÃO XVIII, no qual eu fiz a promessa de colocar neste Blog este artigo de Huberto Rohden. Não o fiz em seguida e, consequentemente… Mas acabo de ler um livro interessantíssimo que, em um de seus capítulos, fala a repeito do assunto abordado no verso 3 de Eclesiastes 4. Reli o Sermão e, consequentemente, antes de qualquer outra coisa estou cumprindo o prometido. Boa leitura.

Muitos conhecem apenas o sofrimento débito, sofrimento por culpa própria ou alheia.

Mas há também um sofrimento – crédito.

Os livros sacros referem vários exemplos de sofrimento-crédito.

Job, o rico fazendeiro de Hus, sofreu a perda de toda a sua fortuna e de seus filhos, e, por fim, da própria saúde e, no entanto, declara a Bíblia, que era um homem justo.

Três amigos do Oriente, Elifas, Baldad e Sofar, tentam provar-lhe que ele é um pecador. Job protesta a sua inocência. Finalmente, intervém o próprio Deus e declara que Job é inocente. Ele não sofre por nenhum pecado, próprio ou alheio; os sofrimentos dele têm o fim de levá-lo a uma espiritualidade ainda maior do que tinha. SOFRIMENTO-CRÉDITO.

O cego de nascença, referido pelo Evangelho, segundo a declaração de Jesus não sofria por nenhum débito, nem próprio nem alheio, mas sim “para que nele se revelassem as obras de Deus”. Essas “Obras de Deus” são a evolução espiritual do cego, o qual, sem esse sofrimento, não teria saído da rotina horizontal do seu ego humano, para subir à verticalidade do seu Eu divino. SOFRIMENTO-CRÉDITO.

No domingo da ressurreição, os dois discípulos de Emaús estão perplexos, porque um homem justo como o Nazareno, havia sofrido a morte de crucifixão. Ao que o próprio Jesus, que os acompanhava, desconhecido, lhes responde: “Não devia então o Cristo sofrer tudo isto e assim entrar em sua glória?[i]

A entrada na glória indica o sofrimento.

Jesus não sofreu por pecado próprio, que não tinha, nem por pecados alheios, mas sim para realizar ainda mais plenamente seu Eu espiritual, que ele chama a entrada na glória.

Por maior que fosse a realidade espiritual de Jesus, ao nascer, toda a creatura é ulteriormente realizável. A Epístola aos Hebreus afirma que o sofrimento e a morte de Jesus o levaram a uma perfeição maior.

Jesus nunca afirma haver sofrido para pagar pelos pecados da humanidade, como dizem os teólogos humanos.

Na Epístola aos Filipenses, Paulo de Tarso atribui esta evolução ao próprio Cristo cósmico, quando escreve: “Ele (o Cristo), que estava na glória de Deus, não julgou dever aferrar-se a essa divina igualdade; mas esvaziou-se dos esplendores da Divindade e se revestiu de forma humana, tornando-se servo, vítima, crucificado; e por isso Deus o superexaltou e lhe deu um nome superior a todos os nomes, de maneira que, em nome do Cristo, se dobrem todos os joelhos das creaturas celestes, terrestres e infraterrestres; e todos proclamam que ele é o Senhor[ii]”.

Paulo parece, pois, admitir um sofrimento-crédito no próprio Cristo, de maneira que o Cristo se elevou a um SUPERCRISTO.

Aliás, toda e qualquer creatura é ulteriormente evolvível e Paulo escreve que o Cristo é o “primogênito de todas as creaturas, não terrestres, mas cósmicas[iii]”.

Todo sofrimento-crédito é compatível com sofrimento débito.

Pode alguém sofrer por débitos próprios, quando os tem, ou débitos alheios, quando não tem débito próprio, e ao mesmo tempo aumentar o seu crédito próprio.

O sofrimento-crédito é fator de aperfeiçoamento, ou autorrealização, quando realizado devidamente.

De maneira que nenhum sofredor tem motivo para desânimo, pessimismo ou desespero. Em hipótese alguma pode o fenômeno objetivo do sofrimento ser prejudicial ao homem. O principal não é sofrer ou não sofrer; a principal tarefa de todo o homem, aqui na terra, é realizar-se cada vez mais.

E por mais desagradável que seja nossa autorrealização, ela é, quase sempre, mais favorecida pelo sofrimento do que pelo gozo. Uma vida de gozo reforça o ego humano, uma vida de sofrimento fortalece o Eu divino do homem.

A revolta habitual contra o sofrimento prova que o homem não compreendeu a verdadeira razão-de-ser da sua existência terrestre, que não é gozo nem sofrimento, mas autorrealização. E, como autorrealização é impossível sem reconhecimento, deve o homem, acima de tudo, realizar o seu autoconhecimento, saindo da ilusão tradicional de se identificar com o seu ego humano e entrar na verdade libertadora de se identificar com o seu Eu divino, com sua alma, com o Cristo interno, com o Pai imanente: “Eu e o Pai somos um”.

A maior acerbidade[iv] do sofrimento não o sofrimento em si mesmo, mas é a absurdidade do sofrimento. Mas essa absurdidade desaparece quando o homem sabe realmente o que ele é.

Então, todo sofrimento é, pelo menos, tolerável. Tudo pode o homem tolerar quando ele se tolera a si mesmo.

PORQUE SOFREMOS, ROHDEN, Huberto – Martin Claret Editores, 11ª edição, pg.s 31 a 34.


[i] Lucas 24:28.

[ii] Filipenses 2:6-10.

[iii] Romanos 8:29-30; Hebreus 1:26.

[iv] Aurélio: qualidade de acerbo. Amargo, azedo, duro, difícil, insolente, cruel, doloroso, áspero…